O que esperar da ciência psicodélica?

Livro Como mudar sua mente, de Michael Pollan

Como vocês já sabem, tenho por saga entender melhor como mudar nossa mente e, para isso, é necessário compreender os meandros do nosso cérebro.

Não sou da área, fato este que aguça minha curiosidade, tornando-a quase infantil, de desbravar fontes bibliográficas diversas e realizar estudos mais imersivos sem se comprometer com heurísticas enviesadas e descurar de aspectos explicativos elementares, o que por vezes é deficitário por parte dos especialistas, em razão das estruturas de pensamentos já avançadas.

No momento estou lendo um livro bizarro de bom. O nome dele vem a calhar com minha predileção exploratória do conhecimento, a saber: Como mudar a mente, de Michael Polan.

O livro conduz a uma viagem insana e esotérica – literalmente- pelas entranhas da mente e consciência, contando com o relato pessoal do autor sobre suas experiências de uso de substâncias psicodélicas (sapo, LSD, Ayahuasca e psilocibina), à medida que as embalam num sublime e intrépido ensaio epistemológico sobre as questões pertinentes, com passagens enriquecedoras de grandes especialistas no tema.

Bem, entre tantos, uma passagem do livro me conduziu a um verdadeiro frisson de pensamento, trata-se do fenômeno da entropia cerebral.

Para começo de conversa, é necessário um disclaimer, o cérebro é uma estrutura hierárquica e estudos mostram que o seu processamento preserva uma ordem de precedência, caso contrário iríamos ser invadidos por uma profusão de informações, o que, fatalmente, iria nos conduzir a percepções sinestésicas ou mesmo alucinações, em razão do sobrecarregamento de informações.

É, pois então, até o organismo mestre é fundado numa “casta e hierárquica” e mais do que isso, ele possui um estado de “default”, justamente, para evitar refugos e volteios cacofônicos de ideias já assimiladas na consciência. Ele permite o gotejamento das informações.

Contudo, apesar de exercer uma função análoga às memórias RAM dos computadores, neutralizando em parte a sobreposição das informações, contraintuitivamente, a maior parte do consumo da energia mental se dá no estado de “default”, também conhecido como “consciência do ego”.

O ego não é de todo mau. Ele dá coerência a nosso eu. Nos mantém nas trilhas, para o bem e, às vezes, para o mal, pois invariavelmente ele pode se tornar tirânico e voltar seus poderes formidáveis contra o resto de nós.

Agora o negócio começa a ficar mais incrível. O autor, abalizado por especialistas como Carhart-Halvis, explica que a mediação química gerada pelos psicodélicos pode conduzir os pensamentos atávicos a um fulgor de pensamentos desordenados, de modo a subverter as hierarquias na mente e promover pensamento não convencional com potencial para remodelar as atitudes dos usuários em relação ao seu meio exógeno. 

Isso, inclusive, pode ter um efeito político. Muitos acreditam que o lsd teve exatamente esse papel na agitação política dos anos 1960. 

Os hippies gravitavam em torno dos compostos psicodélicos ou foram os psicodélicos que criaram os hippies?

Além do mais, as pessoas podem desenvolver sentimentos mais sutis em relação à natureza, considerando o imbricamento, abertura e a maior granularidade dos seus sentidos. É um autêntico desligamento do eu, um desmonte do ego. O sentimento que aglutina isso é a reverência.

“Keltner acha que a reverência é uma emoção humana fundamental, que evoluiu na espécie por promover um comportamento altruísta. Somos descendentes daqueles que viam a reverência como uma dádiva, porque é vantajoso para a espécie ter uma emoção que nos faça sentir parte de algo muito maior do que nós.” Essa entidade maior pode ser o coletivo social, a natureza como um todo ou o espírito do mundo, mas é algo suficientemente poderoso para que vejamos a nós mesmos e a nosso limitado interesse próprio como coisas menores. “A reverência promove um sentimento de apequenamento do eu que afasta nossa atenção do indivíduo e a direciona ao grupo e ao bem comum”.

Porém, que fique claro, não há que romantizar as substâncias com rótulos de pensamento mágicos e de metafísica que eles nutrem seus acólitos. É preciso ficar longe de qualquer coisa que lembre uso recreativo. Há muitos fatores de segurança, reputacionais, éticos e legais envolvidos.

A verdade é que as formas de consciência liberadas vêm de regressões a um modo de cognição mais primitivo. Um desligamento do eu, um sentimento de unidade deflagrada pela química, e não misticismo ou religiosidades.

Somos conscientes e estamos conscientes da nossa consciência. Fenômeno chamado metacognição. Pense um pouco sobre o milagre disso. A pergunta é, como então podemos ter certeza que nossa experiência de consciência é autêntica?

Carhart-harris justifica que o auge do desenvolvimento humano é exatamente essa conquista desse eu diferenciado, ou ego, e a ordem que ele impõe à anarquia da mente primitiva combalida por medos e desejos e propensa a várias formas de pensamento mágico.

Outro ponto fascinante é que há estudos que apontam para um otimismo crível do uso de psicodélicos para tratamentos de transtornos mentais relacionados à rigidez mental, como a depressão, vício, ansiedade, padrões obsessivos, uma vez que os compostos têm capacidade de interromper padrões estereotipados de pensamento e comportamento ao desintegrar os padrões de atividade neural nos quais eles se apoiam.

Em uma reportagem no site NEOFEED, é sinalizado que “segundo dados do CDD, órgão federal responsável por monitorar e orientar sobre questões de saúde no EUA, um em cada 25 americanos vive com alguma doença mental grave. A expectativa é de que os psicodélicos possam ajudar no tratamento dessas pessoas. O FDA, órgão americano equivalente à Anvisa, deve aprovar o uso de MDMA e da psilocibina em tratamentos psiquiátricos nos próximos anos.”

“No ambiente correto, onde sua segurança está garantida, os compostos psicodélicos podem ser uma boa intervenção para lidar com alguns dos problemas do eu”- o vício sendo apenas um deles. Morte, depressão, obsessão, distúrbios alimentares- tudo pode ser exacerbado pela tirania do ego e pelas narrativas fixas que ele constrói sobre nosso relacionamento com o mundo. Ao anular temporariamente essa tirania e colocar nossas mentes num estado incomum de plasticidade (Robin Carhart-Harris o chamaria de um estado de entropia aumentada), essas substâncias, com a ajuda de um bom terapeuta nos dão a oportunidade de propor histórias mais construtivas, novas, sobre o eu e seu relacionamento com o mundo, histórias que talvez perdurem.”

Não é a panaceia, está mais para um caminho de entusiasmo racional.

Com tudo isso, se resiliente mostrarmos resiliente à entropia decorrente, o silenciamento da rede neural de modo padrão, esses compostos podem diminuir o controle do ego sobre o maquinário da mente, lubrificando a cognição onde antes ela estava enferrujada e emperrada. Ou seja, a consciência altera-se à medida que é desorganizada. 

O aumento da entropia reverte a um modo de cognição menos contido, o que é salutar, uma vez que é característico da depressão uma autoreflexão desinibida, isto é, uma mente que vaga muito.

Noutra passagem do livro todo esse teatro da mente é ainda mais explicada:

“O sofrimento existencial carrega muitas marcas dessa rede padrão hiperativa, incluindo autorreflexão obsessiva e a incapacidade de escapar das trilhas profundas do pensamento negativo. O ego diante da perspectiva da própria extinção, se volta para dentro e se torna hipervigilante, deixando de lado o mundo e as outras pessoas. […] o acesso a memórias e impressões sensoriais e significados antes inacessíveis. Não mais defendido pelo ego, o portão entre o eu e o outro- a válvula de redução- fica completamente aberto. E o que passa por essa abertura, para muitas pessoas, numa grande inundação, é o amor.” 

Finalmente, a elucubração mais fantástica dentre elas. Segundo Harris, a codificação preditiva cerebral se desenvolveu de modo a testar a realidade e conceber previsões confiáveis que otimizam nossos investimentos em energia e, portanto, nossa chance de sobrevivência. 

Esse tipo de pensamento pré-concebido e convencional que essa adaptação produziu é muito útil, mas só até certo ponto.

Suprimir a entropia (nesse contexto, a incerteza) no cérebro, embora sirva para promover realismo, previsão, reflexão cuidadosa e capacidade de reconhecer e superar fantasias de desejo e paranoias, também tende a limitar a cognição e a exercer uma influência limitante ou restritiva na consciência.

O pensamento divergente está associado exatamente a um espectro mais amplo de conexões neurais.  A entropia do cérebro é mais ou menos como a variação na evolução que fornece a diversidade de materiais brutos com os quais a seleção pode operar para resolver problemas e trazer novidades ao mundo.

Em outras palavras, um auxílio para criatividade, pensamentos divergentes, maior fluidez e adaptabilidade mental. Reiniciar a mente. O pensar fora da caixa.

Não à toa, é que existe um paralelismo dessa prolixidade cerebral com o pensar imaginativo das crianças.

Gopnik traça uma distinção melhor, no livro The Philosphical Baby, ao dizer que os adultos têm uma consciência holofote e as crianças uma consciência lanterna. O primeiro modo permite aos adultos focar a atenção num objetivo (consciência do ego). No segundo modo, a consciência lanterna, a atenção é mais difusa, permitindo que a criança apreenda informações de praticamente qualquer lugar em seu campo de atenção que é bastante amplo. A consciência lanterna é expansiva, fluída; a holofote, contraída, pois engendrada em um longo código preditivo de experiências. Não por outro motivo, as crianças são mais conscientes que os adultos, e não menos.

Por óbvio, cumpre ressaltar que nada aqui dito é uma apologia ao uso das substâncias psicodélicas, ao contrário, pois, além de ilícita ressalvados para alguns fins científicos/religiosos (a exemplo da Ayahuasca), pode conduzir a efeitos nefastos, se realizados nas circunstâncias erradas, isso pode ser perigoso, levando as pessoas a bad trips e a coisas piores.

Ainda não se sabe se as conexões neurais permanecem ou voltam ao status quo assim que a droga deixa o organismos, fato este que instaura um limiar perigoso de um possível rebote de disfunções latentes, embora haja suposições de que alguns tipos de aprendizagem ocorra exatamente quando o cérebro é reorganizado ao “estado de origem”

Há estudos que apontam outras experiências que revelam respostas mais mágicas do que realistas assim como os efeitos psicodélicos, ou seja, que te dão essa sensação de “reiniciar o cérebro”, cito: esportes radicais, meditação, experiências quase-morte e, sobretudo, sonhos, que Freud já dizia ser a estrada real para o inconsciente.

Contudo, a minha sugestão mais cabal é, se você quer entender como é uma consciência expandida, basta tomar um chá com uma criança de quatro anos.

Em resumo, bebês e crianças basicamente viajam o tempo todo, pois têm cérebros extremamente plásticos, bons para aprender e não para realizar.

Encerro o post reforçando meu regozijo com todo o conteúdo consumido, embora esteja cônscio dos tabus que o pairam. Não conta com o interesse das farmacêuticas, por força da baixa proteção em termos de propriedade intelectual. Além disso, não é um tratamento voltado para condições crônicas. O modelo de negócio não seria claro e os obstáculos regulatórios não são desprezíveis. De toda forma, senti-me como uma criança na loja de doces. Esse é, afinal, o poder dos livros, induzir experiências que, no meu exemplo, não tive e não terei no campo realístico. Todavia, isso não é óbice para desmistificar e reduzir minha ignorância sobre. Controlar o que me controla e amplificar meu juízo de liberdade e arbítrio.   

Destaco os pontos altos:

  • Nosso cérebro tem um estado default, cuja característica é a maior rigidez mental, com pensamentos mais retraídos, convencionais e proeminência do ego;
  • Experiências psicodélicas podem facilitar a neuroplasticidade por mediação química e, por consequência, fomentar pensamentos mais criativos, uma vez é um excelente construtor de significados;
  • Ainda que incipiente, seja pelos estigmas e contornos legais, há razões otimistas para o uso dos psicodélicos no trato de alguns transtornos psíquicos;
  • Que o verdadeiro método do conhecimento é a experiência genuína, para chacoalhar seu globo mental e certezas, renovar sua vida mental cotidiana introduzindo nela mais entropia, pensamentos amplos e relacionais;
  • A infância é a forma que a espécie tem de injetar ruídos no sistema da evolução cultural. Por isso, não deixemos nunca de aprender com elas;
  • A ciência psicodélica denota um grande potencial de expansão de estados mentais. Um relicário de memórias, sentidos e charadas visuais à espera de serem interpretados. Eles reanimam o mundo e fazem pensar se, de fato, a consciência está confinada ao cérebro. 

*Obs: o conteúdo tem trechos literais do Livro “Como mudar sua mente, de Michael Pollan”. A ideia é instigar a leitura do livro nas plataformas autorizadas. Atribuo, portanto, todos os créditos devidos ao autor.

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